17 de maio de 2017

Encontro após desenccontro

Acabei de passar um café. Espero que não demore ou vai esfriar. Espero que traga aquele biscoito que gostamos de dividir. Gostávamos. Desculpe. Ainda acho que você vai chegar. Ainda olho nossas fotos. Ainda escuto as mesmas músicas. E o meu cabelo ainda se transforma numa confusão de nós quando o lavo. Mas você já não está aqui, reclamando da quantidade de fios caídos no chão, enquanto segura algumas mexas e me ajuda a desembaraçá-lo. Você não está aqui. Mas acabou de chegar. Tocou a campainha, como o visitante que se tornou, eu abri a porta , como a moradora ansiosa à espera do eterno hóspede. Te cumprimentei com um abraço rápido, 2 segundos talvez. 2 segundos. Reparei que usou condicionador, estava sem pulseiras, retirou o brinco, esqueceu de passar a gola da camisa (como sempre) e continua a usar o mesmo perfume. Como disse, 2 segundos. Você trouxe os biscoitos e também uma barra de chocolate; quem sabe para me lembrar de que as coisas já não são exatamente como antes. Em todo o caso, te convidei para sentar no sofá, enquanto pegava o café e as canecas. Mas você levantou e foi à cozinha, abriu o armário sem que eu precisasse dizer onde ficavam as canecas; quem sabe para me lembrar de que algumas coisas não mudaram tanto. Até você partir, terei escrito um livro de teorias  criadas a partir da minha interpretação do seu comportamento. Talvez sejam teorias falsas, mas mentiras não são novidade no mercado editorial. E eu estou divagando sobre tantas besteiras na tentativa de conter um outro pensamento, mas ele é maior ou talvez eu realmente queira pensar nisso: já pude olhar de perto esse sinal minúsculo que você tem abaixo do lábio inferior, do lado esquerdo. Tanta coisa pra lembrar e eu estou pensado em algo tão insignificante. Um sinal. Minúsculo. Na sua boca. Um silêncio repentino. Não estava escutando o que você dizia, por isso fiquei calada. Eu achava que o silêncio era um perigo, mas perigoso mesmo são os gritos na minha cabeça. Na vida do lado de fora dos meus pensamentos, sirvo o café, uso 2 colheres de açúcar no meu e você ri, relembrando as nossas discussões sobre a importância de saborear o café puro. Eu sorrio de volta e nos sentamos no mesmo sofá. Trocamos novidades, dividimos os problemas e mais uma vez, compartilhamos o silêncio. Mas agora a chuva começou a cair lá fora e temos uma distração. O barulho de chuva forte ocupa o espaço entre nós por algum tempo e, como esqueci de contar os turnos da conversa, já não sei de quem é a vez de falar. Você começa, sugerindo que a gente divida o chocolate. Muito gostoso, por sinal. Então você diz que está na hora de voltar pra casa. Prometemos nos encontrar lá da próxima vez. Peço que me avise ao chegar, abro a porta, você me abraça mais uma vez, um pouco mais demorado. É isso. Você foi embora. Recolho as canecas sujas para levá-las à pia e... Na cozinha, um embrulho em cima da geladeira: uma caixa com biscoitos e o bilhete: "Para você ter uma dose extra de açúcar acompanhando o café". No fim, ainda são os nossos biscoitos. No fim, talvez ainda sejamos nós dois.

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