2 de março de 2017

"O LEITOR DO TREM DAS 6H27"


Pessoalmente, considero que um autor surpreendente não é aquele com fantasia suficiente na cabeça para criar uma série de livros sobre um universo ficcional, mas aquele capaz de desenrolar uma história a partir do que todos temos em comum: a rotina do cotidiano.

Não que a ficção não seja agradável, mas é a outra categoria de histórias que me faz ter importantes diálogos com a minha própria consciência. Talvez, livros sobre o cotidiano nos aproximem mais da humanidade - a nossa e a compartilhada.

Durante uma semana acompanhei a vida de Guylain Vignolles, um francês de 36 anos, que divide um apartamento minúsculo (e a vida) com um peixinho dourado. Além disso, ele é amante de livros - embora seu trabalho envolva destruí-los - e possui apenas dois amigos: um amputado que passa a vida caçando as suas pernas para trazê-las de volta pra casa e o outro, um alexandrófilo - um porteiro que intimida ou encanta aos outros não pela sua posição social ou físico, mas pela capacidade de recitar versos alexandrinos em qualquer situação (seja para dar instruções à um motorista de táxi ou receber alguém em sua guarita).  

A história dá lugar também à uma outra importante personagem: Julie, zeladora de um banheiro público de um shopping. Julie é... Bem, deixarei que a própria faça a sua apresentação:

"Nunca se espera que pessoas responsáveis por banheiros públicos (...) mantenham um diário digitando no teclado do seu laptop. Devemos servir apenas para limpar, de manhã até a noite (...). Espera-se que uma zeladora de banheiro limpe, não que escreva (...). No mundo inferior, até um infeliz computador de dez polegadas ligado ao lado de um pratinho para gorjetas sempre acaba maculando a paisagem (...). Precisei rapidamente me render à evidência de que as pessoas em geral só esperam uma coisa: que você ofereça a imagem daquilo que elas querem que você seja."

As vidas de Guylain e Julie se entrelaçam na trama de uma maneira surpreendente, nos fazendo lembrar (porque insistimos em esquecer esta verdade) que o aparentemente comum também pode ser fantástico e que, segundo as palavras do próprio Guylain, "(...) apesar do que possamos pensar, nada na vida é imutável. Mesmo um número tão feio como 14.717 pode acabar se embelezando um dia, contanto que o ajudemos um pouco".

Talvez, O Leitor do Trem das 6h27, nunca ocupe nas livrarias o lugar de "mais vendido", mas certamente está na categoria de livros  que tocou-me irremediavelmente. Uma leitura rápida, confortável e marcante. Recomendo aos que, como eu, sufocados pela rotina, às vezes deixam de perceber a beleza oculta da vida.

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Dados da obra

Título: O Leitor do Trem das 6h27
Título original: Le Liseur du 6h27
Autor: Jean-Paul Didierlaurent
Editora: Intrínseca 
Ano de publicação: 2015

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