6 de março de 2017

À espera do extraordinário

Sabe, camarada, se eu tivesse uma poupança ou mesmo um emprego bem remunerado, hoje seria aquele momento decisivo (como li por aí) em que largaria tudo por aqui e mudaria de país, levando uma mala e o meu amor; ou pelo menos daria o pontapé inicial nos planos de reservar o meu salário para uma viagem prolongada, em breve, no caso da segunda opção de vida ser a verdadeira. Mas não é. Tampouco a primeira. A  verdade mesmo é que nem tenho passaporte e de idioma estrangeiro, só entendo o básico de espanhol, ainda assim, desenvolvendo-me melhor na escrita e na escuta. Então veja o que seria: muda em terras estrangeiras. Sobre o emprego, o que posso dizer, com certa felicidade até, é que, em tempos de recessão econômica no país, eu o tenho. O salário é vergonhoso, mas com ele consigo comprar uma fatia de torta na doceria próxima à da casa dos meus pais, que por sinal, é onde vivo.

Mas enfim, estou adiando o assunto principal desta prosa. Hoje, enquanto esperava o fim do expediente, desconfortavelmente sentada em uma cadeira de escritório - embora não trabalhe em um - mal ajustada à minha (e a de qualquer pessoa, eu diria) anatomia, pensava sobre o meu extraordinário. O extraordinário  é equivalente ao clímax dos romances, do teatro. Aquele momento em que tudo muda e nos atinge de surpresa.  Pensei que o meu extraordinário demorava a aparecer e duvidei da sua chegada. 

Na (esperada) volta pra casa, após a leitura de dois contos do Júlio Cortázar, num ônibus apinhado de gente, em um trajeto demorado, uma centelha de esperança  me atingiu discretamente. Não, não era bem esperança. Era uma ideia, um princípio de ideia, que crescia devagar entre os outros pensamentos. Talvez fosse menos que ideia e mais uma reflexão. Uma reflexão sobre a espera do extraordinário e o sentimento que a acompanhava, esmagando meu peito e me fazendo sentir vergonha de mim. Esse sentimento persistente, que impede a real contemplação da vitória de alguém próximo, recebe o nome de inveja e assume a pesada carga de ser um "pecado". Mas, no fundo, esse é um sentimento mais mal falado do que mal vivido. Digo isso porque penso que ter inveja da alegria do outro não é, necessariamente, querer roubá-la para si, mas o desejo de compartilhá-la em igual intensidade. Não desejaria subir ao pódio sozinha, deve ser solitário. Antes, queria ser feliz em conjunto. E só. E se todos os conjuntos de todo mundo fossem felizes, então talvez não houvesse tristeza, sei lá.

Mas eu falava sobre uma ideia... Ideia que veio de uma pergunta inicial: enquanto o extraordinário pessoal não vem, como lidar com o extraordinário alheio? Então, já fora do ônibus, enquanto caminhava para casa, lembrei do livro dentro da minha bolsa. Do meu livro. Do livro do Júlio Cortázar. Das suas palavras na minha cabeça. Meu, seus, nossos. Numa simples combinação de pronomes, encontrei uma resposta: o mundo não é um grande livro, nem as pessoas são como capítulos dele. Não. Talvez ele seja uma grande biblioteca e cada um de nós seja um livro à parte. Cada qual com a sua própria história e que, por ser pessoal, não requer comparação, nem a mesma velocidade de narrativa. Importa lá que eu não traga uma grande contribuição para a humanidade, como o Einstein? A humanidade é uma abstração. Eu sou real. O que de fato importa é a história do meu livro, esse que tem sido construído há cada dia. E se eu sou sua autora e principal leitora, não existe essa coisa de história desinteressante, não é mesmo?

Enfim, camarada, hoje foi mais um dia. Espero escrever mais um trecho amanhã.

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