15 de março de 2017

Antropofagia emocional

Uma verdade precisa ser contada: ontem chorei enquanto comia um biscoito. Não foi pelo biscoito, mas pela lembrança que ele me trazia. Lembrei do último biscoito compartilhado com o meu avô. Ele, que sofria de Alzheimer, na última vez em que esteve na cidade, insistiu para que dividisse o biscoito com ele, mesmo estando há mais de oito horas sem comer por conta de um exame que havia realizado. "Coma, minha filha! Aqui tem pra nós dois." - ele disse. E assim nós compartilhamos um pacote pequeno de biscoito salgado. Na verdade, compartilhamos mais, muito mais. E eu nem desconfiava que depois, quando já não haveria mais o gosto salgado do biscoito na minha boca, a vida ficaria amarga de repente. 

Depois da lembrança, voltei a comer o biscoito. Já não era mais fome, não era mais carboidrato que eu botava pra dentro de mim, mas em cada pedaço que mastigava, deglutia lembranças nossas. E chorei novamente. Um choro discreto, sem tensão facial, sem nariz escorrendo, apenas lágrimas que deslizavam sobre a face. O irônico é que muitas vezes fui invadida por lembranças semelhantes enquanto olhava fotografias em casa, sozinha, mas não chorava, apesar de estar triste. Porém, naquele momento, em meio à tantas pessoas desconhecidas, foi impossível conter o choro. Talvez por me dar conta de que, embora o mundo seja repleto de gente, jamais vou poder dividir um biscoito com meu avô novamente.

O biscoito acabou. A saudade... Ah, essa criou raízes!

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