Quantas lembranças tuas ainda me restam? Quantas mais terei que inventar?
Entrou no lago com um pouco de medo. A água estava quente, mas tudo parecia escuro, ela sequer conseguia enxergar os próprios pés. Contou até três e mergulhou de cabeça. Fechou os olhos e nadou depressa, sem direção. Ao parar, estava ofegante e o seu coração disparava como quando se aproximava da esquina, ao encontro dele. O vento soprava forte e carregava flores murchas para a água. Nadou até elas e arrancou-lhes as pétalas. Uma por uma. Ainda carregavam o perfume da vida. Doce perfume, misturado com o odor da podridão, característico das coisas não vivas. Seria esse o cheiro do seu encontro agora, se pudessem fazê-lo? Sua memória olfativa ainda preservava o cheiro daqueles preciosos momentos: o perfume amadeirado dele, espalhado por lugares estratégicos do corpo, junto com o seu próprio cheiro de sabonete. Jamais seria capaz de sentir aquele perfume, tão popular, sem um sorriso discreto. Então não resistiu: comeu uma flor. Por um tempo sentiu seu gosto doce e depois o amargor típico das coisas que não devem ser comidas. Depois deitou delicadamente sobre a água e boiou olhando para o céu de fim de tarde. Quantas vezes prendeu a respiração na sua presença para que pudesse flutuar sem afundar ao ouvir seu riso! Era lindo ver o céu tingido de rosa, laranja e violeta! Coisa divina essa. Divina como o seu nome, que dizem caracterizar pessoas positivas, otimistas e com grande capacidade de liderança. Não era muito dada a acreditar nessas coisas, mas nunca conhecera alguém com tanta certeza de que o seu futuro seria bom, e nunca ninguém tivera tanta capacidade de persuadi-la a fazer coisas que a assustavam, quase liderando uma revolução na sua própria existência. Aprendera a nadar na infância, sem muitas dificuldades. Nunca achou que nadasse bem até ser a única menina a completar o desafio de nadar da praia ao barco, numa viagem de escola. Aprendera a beijar relativamente tarde, aos 15 anos. Sempre achara que beijava bem até beijá-lo pela segunda, terceira, centésima vez. Nenhum beijo, antes ou depois daqueles, seria suficiente. Alguém acariciaria sua mão e a apertaria forte entre faltas de ar e contatos corpo a corpo, boca a boca? Já começara a escurecer e fazer frio fora da água. Daquela água escura, que mantinha afastada de si as pessoas sem coragem. Mas entrava nela sem medo, simplesmente porque não esperava nada. Deu um último mergulho de corpo inteiro e de repente entendeu: era ele! Aquele lago era ele! Nada cristalino.
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