28 de março de 2019

Sou o que posso ser




Um trem não pode andar sobre dois trilhos ao mesmo tempo. Eu também não, mas não sou um trem.

E as pedras que preenchem os espaços vazios entre os trilhos, será que podem tocar dois lugares ao mesmo tempo? Talvez sim, quando o trem está em cima delas e o chão está por baixo. Eu também posso tocar muitas coisas ao mesmo tempo: o ar, o chão, a roupa na pele, a pele de outras pessoas. Mas também não sou uma pedra.




Um pássaro pousa sobre a pedra que está nos trilhos do trem. Ele bica uma planta e se alimenta de algo que não posso ver. Um trem vem chegando e o pássaro aproveita enquanto pode, depois voa para longe, com a proximidade limite da máquina. Penso que o pássaro não queria ser a pedra, caso contrário estaria esmagado entre o trem e o chão. E se ele fosse o trem, se afastaria cada vez mais do alimento naquela planta, sem escolha, sem poder voltar atrás e ficar o quanto quiser. Se o pássaro fosse eu, sentiria medo de si, olhando o outro lado dos trilhos do trem, temendo que o pássaro voasse em sua direção.

O pássaro só pode ser o pássaro; eu posso ser eu.

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