Em uma manhã pouco convidativa, Ana decidiu ir à feira. Gostava do colorido do ambiente, do cheiro de podridão e suor. Isso era estar vivo. Há anos sentia que algo havia morrido dentro de si e o passar do tempo só fazia com que sentisse o desgaste chegar sem aviso.
Olhava-se no espelho sem se ver, mas isso não era incomum; desde que o conhecera passara a ver seu rosto em cada rosto com que cruzava, mesmo no seu próprio. Seus olhos cítricos a perseguiam, seus cachos insistiam em emaranhar-se nos seus dedos, em pensamento, e ela acreditava que os seus beijos criaram um estoque infinito de calor, suficiente para mantê-la viva.
Vida... Sangue... Vermelho... Precisava comprar maçãs!
Como era uma fruta comum, estava presente em quase todas as barracas. Escolheu aquela onde o movimento era menor e cujo dono, provavelmente, receberia menos dinheiro ao final do dia. Após escolher as mais vermelhas, decidiu que era hora de voltar pra casa.
Já não reconhecia aquele lugar como um lar, apenas como reduto físico das suas lembranças. Diziam que ela precisava sair dali, mas há muito deixara de escutar conselhos. Perdera seu lugar no mundo, que era ao lado dele, por isso não gostaria que suas memórias também ficassem sem abrigo. Diferente do que achavam, Ana persistiu em viver apesar do pesar. E foi por causa dessa mesma insistência que a paixão por ele crescera tal como erva daninha, sem cuidado, sem adubo.
Importava lá que o solo dele tivesse florescido para outra pessoa colher? Eles se amavam sem formalidades, sem burocracia. Porém, aos poucos, Ana passou a desejar um jardim só para si. Estava cansada dos dias preenchidos e das noites vazias. Cansou do amor preso nas paredes do seu quarto. Cansou do brilho no anelar da mão esquerda dele. O único problema é que não cansara dele. Desejava-o a cada segundo acordada. Sonhava com ele todas as noites.
Enquanto o desejo crescia, algo dentro dela crescia sem que se desse conta. Três meses depois era impossível não ver a vida que se formava dentro da sua vida. Era o primeiro filho dela e o terceiro dele. Mas não houve momento para decepção ou acolhimento. Ele se foi. Nunca descobrira o seu destino. Nem mesmo o pedaço dele que guardava com amor, vingou. Talvez não tivesse passado de um sonho.
Mordeu uma maçã e sentiu o sumo escorrer pelo pescoço. Sim, estava viva e tudo era real!
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